Em tempos de crise, os mecanismos de tomada de decisão parecem travar. De repente, a liderança se dá conta que precisa sair da zona de conforto, muitas vezes percebendo que para agir precisa expor algum problema.
É também na crise que muitos líderes sentem que precisam enfrentar o Conselho de Administração para pedir apoio a um projeto não muito popular, mas que poderá ser a salvação da empresa. Poderíamos seguir listando dilemas, cada um com suas particularidades, mas todos com algo em comum: quando as situações são complexas e é difícil acessar todos os elementos que podem influenciar uma decisão, o ato de decidir significa aceitar a parcela de incerteza e os riscos associados a ela.
Enfim, com ou sem crise, qualquer passo a ser tomado requer muita coragem. Isso nos leva à questão:
Falando especificamente de crises – sejam elas econômica, política, sanitária ou outra – o sistema da empresa precisa ser reajustado. O problema é que na maioria das vezes esse ajuste deve ser realizado de forma brutal, o que demanda ainda mais coragem da liderança.
Esse é o cenário que descreve o que praticamente todos nós vivenciamos na pandemia. Como exemplo, veremos um caso relatado por Manfred F. R. Kets de Vries, coach executivo e psicanalista, no texto How to Find and Practice Courage (Harvard Business Review).
O autor conta que um de seus ex-alunos o escreveu para compartilhar que, como CEO em uma grande indústria, havia tomado a decisão de não demitir ninguém por causa da pandemia do coronavírus. Além disso, pediu a seus executivos seniores que aceitassem uma redução no salário em troca por ações que seriam recompradas posteriormente pela empresa ao preço de emissão.
Para completar, ele ofereceu crédito a todos os seus fornecedores que estavam com problemas e, com a ajuda da alta equipe executiva, também providenciou um transporte aéreo de equipamentos de proteção individual para os hospitais próximos às instalações da empresa. Vries conta ainda que seu ex-aluno admitiu que, no início da crise do Covid-19 havia sido “colocado em um caminho bem diferente”, mas que conseguiu “encontrar a coragem para fazer o que era certo”.
As decisões que o CEO optou por tomar não foram fáceis, assim como não o são para ninguém que exerce papel de liderança. Isso ocorre pois qualquer tipo de crise perturba a ordem normal das coisas, e o que nos falta, na maior parte do tempo, é preparação. Há ainda o fato de que a situação costuma ser nova ou sem precedentes, fazendo com que a incerteza seja ainda maior.
Outro fator que requer que a tomada de decisão seja um ato de coragem é a falta de tempo, afinal, durante uma crise o tempo disponível para agir muitas vezes é reduzido e as reações precisam ser rápidas. Somado a isso, os tomadores de decisão têm menos elementos tangíveis para analisar.
Sobre o exemplo do ex-aluno de Vries, as decisões tomadas pelo executivo foram para mostrar às pessoas na empresa que a administração realmente se importava com elas. Ele sabia que aquelas decisões não seriam bem recebidas (“a resposta do meu povo por causa dessas ações foi humilhante”, conta), mas teve coragem de seguir adiante mesmo assim.
Manfred F. R. Kets de Vries pontua que a natureza desempenha um papel na determinação de quem tem coragem. Segundo ele explica em seu texto, pesquisas em neurociência mostram que algumas pessoas têm uma personalidade em busca de emoções ou “Tipo T”.
Indivíduos do tipo T possuem estruturas cerebrais diferentes daquelas observadas em quem prefere evitar riscos. Essas pessoas tidas como mais corajosas podem ter menos receptores de dopamina em seus cérebros para registrar as sensações de prazer e satisfação e, como tal, podem exigir níveis mais elevados de atividade estimulante e endorfina para se sentir bem.
Adicionalmente, o nível mais alto de testosterona, um hormônio que parece se correlacionar com o comportamento desinibido, também pode levar a um estilo de vida mais voltado para o risco. No entanto, mesmo que algumas pessoas possam ser geneticamente predispostas do que outras a ter uma maior capacidade de correr riscos, isso não significa que necessariamente mostrarão mais coragem.
Por exemplo, de acordo com Daniel Kahneman, doutor em psicologia e especialista em psicologia cognitiva, e autor do livro “Rápido e Devagar”, durante situações de incerteza, de emergência, ou diante de muita informação, as pessoas são inconscientemente forçadas a simplificar seus padrões mentais para poder decidir rapidamente.
Já na opinião de Vries, a composição psicológica de uma pessoa, valores e crenças, podem nos obrigar a agir de acordo com risco para nós mesmos no interesse de proteger outras pessoas (como foi o caso do CEO que queria proteger seus colaboradores).
Segundo Vries, sim, é possível, e ele compartilha algumas técnicas que poderão ajudar a liderança a encontrar e praticar sua coragem:
Durante qualquer crise, nossa capacidade de tomar decisões e de adaptação são testadas. É comum também haver falta ou excesso de informações, ou mesmo informações contraditórias. Portanto, aceitar a parcela da incerteza e do risco inerente ao processo de tomada de decisão exige coragem.
Lembre-se igualmente que em uma crise não é possível controlar todos os parâmetros, mas é possível mudar respostas baseadas no medo por respostas baseadas na coragem – mesmo que elas não agradem a todos, como foi o caso das decisões tomadas pelo CEO que mencionamos neste artigo.
Algo que pode preparar melhor a liderança a enfrentar uma crise é ter as ferramentas certas. Então, para encerrar, deixamos aqui um convite de leitura: Planejar a próxima crise: como é possível?
Para mais conteúdo como este, e para ficar por dentro de boas práticas da gestão de negócios, visite o Glicando, o blog da Glic Fàs.
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Créditos imagem texto: Pixabay por Peggy und Marco Lachmann-Anke
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