Toda startup possui uma energia intangível e essencial. E aqui não falamos do casual dress-code, dos refrigerantes liberados, dos pufes e do chopp nas sextas-feiras. Existe algo muito maior do que os benefícios postados em vagas de emprego: a energia empreendedora.
Essa energia, que o autor Ranjay Gulati chama de alma, no texto The Soul of a Start-Up publicado na Harvard Business Review (a versão em português está disponível aqui para assinantes), é reconhecida pelos funcionários, clientes, investidores e parceiros.
É ela que inspira as pessoas ligadas à startup a vestirem a camisa. Como resultado, elas investem seu talento, tempo, dinheiro, entusiasmo e esforços. Justamente por isso é que, especialmente funcionários têm um senso mais profundo de conexão e propósito em relação ao trabalho.
Geralmente, os primeiros anos da startup geram uma grande quantidade de envolvimento. Depois de passarem pelas fases de ideação, validação e tração, empresas atingem a fase de escala ou de crescimento. Nessa hora é muito fácil perder aqueles valores que foram fundamentais para sua origem – a alma empreendedora. Como fazer para manter esse espírito?
Como explica Gulati, a alma é basicamente a visão do fundador sobre a empresa. Eventualmente, fundadores e funcionários confundem a alma da organização com a cultura, as horas de trabalho flexíveis e o ambiente descontraído da startup. O que as pessoas falham em perceber é que a alma é mais uma mentalidade do que abordagens comportamentais.
No entanto, Gulati, após conduzir uma pesquisa, concluiu que a maioria dos fundadores acreditava que suas startups eram algo além de suas missões, modelos de negócios e talento. O autor cita o exemplo do livro Onward, no qual Howard Schultz descreve o espírito da Starbucks da seguinte maneira:
“Nossas lojas e parceiros [funcionários] estão no seu melhor quando colaboram para fornecer um oásis, uma sensação edificante de conforto, conexão e também uma profundo respeito pelo café e pelas comunidades que servimos”.
Gulati entrevistou outro fundador que identificou “lealdade aos clientes e à empresa” como a “essência principal” do que fez seus negócios serem ótimos. De acordo com ele, “um objetivo compartilhado, construído em torno de um objetivo audacioso e de um conjunto de valores em comum” foi também a resposta obtida sobre onde está a alma – ou a energia empreendedora – da organização.
Para falar um pouco mais sobre a alma da organização, Gulati faz um link com o significado de alma humana. Ele escreve que nas tradições espirituais a alma humana é “o verdadeiro eu”. Já no hinduísmo, é o atman e para os judeus, é o neshama.
O autor, durante suas entrevistas, se deparou com algo interessante. Ele conta que se teólogos cristãos e filósofos ocidentais há muito tempo debatem sobre a alma – acreditando em sua existência – o mesmo ocorre com dezenas de fundadores e funcionários iniciantes entrevistados por ele: sentiram-se da mesma forma, percebendo a organização como tendo um “verdadeiro” eu, no qual todas as partes interessadas estão entrelaçadas.
Todavia, à medida que os negócios amadurecem, novas pessoas passam a fazer parte da empresa, os papéis são mais definidos e, por consequência, a energia empreendedora – a alma empreendedora – morre.
Segundo o autor do artigo, das empresas por ele estudadas um dos motivos que fizeram a alma da startup morrer foram as intervenções de investidores, ações dos líderes ou ambos.
À lista, Gulati acrescenta a expansão frenética, que faz com que líderes corram o perigo de “ficar tão apaixonados por seus produtos e serviços e tão obcecados em gerar dinheiro que param de ouvir e formar parcerias com clientes e funcionários”.
Outro fator importante descoberto na pesquisa de Gulati é a falta de disciplina e ordem à medida que startups crescem. De acordo com ele, essas empresas precisam adicionar sistemas e processos formais e contratar gerentes profissionais. Aqui, acrescentamos a falta de governança corporativa (que, como mostramos neste post, pode ser adotada também em PMEs).
O alerta do autor é que essas mudanças devem ser feitas com a participação de todos os principais interessados. Do mesmo modo, a ligação com o cliente e a experiência da equipe devem ser mantidas. Com relação às contratações, Gulati cita que existe o perigo de que o “novo sangue faça com que os trabalhadores se sintam sufocados, os clientes se desconectem e o talento empreendedor de uma organização desapareça”.
Ele explica: “entrevistei vários CEOs experientes do ‘estágio de crescimento’ que foram contratados para substituir os fundadores das empresas e que, apesar das melhores intenções, rapidamente reprimiram o espírito dessas empresas”.
Como escreve Gulati, é possível encontrar um meio termo em que as empresas dinâmicas e de alto crescimento acrescentam estrutura e disciplina, mantendo três elementos críticos que fornecem significado. São eles:
Como exemplo, o autor cita a Netflix, uma empresa que ao longo dos anos conseguiu manter sua intenção principal de se tornar o melhor distribuidor global de entretenimento e ajudar os criadores de conteúdo em todo o mundo a encontrar uma audiência. Além disso, a organização segue cumprindo a promessa de oferecer aos clientes um ótimo serviço e manteve a experiência dos funcionários, os quais são incentivados a tomarem decisões.
Como nos apresenta Ranjay Gulati, para manter a energia empreendedora a organização precisa garantir o tripé de: intenção, conexão com o cliente e experiência dos funcionários. Esse, conforme escreve Gulati, “é o segredo não apenas para o crescimento, mas também para a grandeza”.
Sabemos que o crescimento pode ser difícil e representar desafios, mas é possível, sim, persistir na alma empreendedora, manter a empresa inovadora e promover ativamente o crescimento.
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