No início de 2019, uma operação do FBI denominada Varsity Blues trouxe à tona aquele que seria, de acordo com o Departamento de Justiça norte-americano, o maior escândalo de fraude já registrado nas admissões universitárias. Estiveram envolvidos 200 agentes em todo o país, resultando em acusações contra 50 pessoas em seis estados.
O nome de batismo da operação não é por acaso. Varsity Blues é um filme de 1999 que narra a história de um adolescente jogador de futebol americano que dá o sangue para conseguir entrar na Universidade (no Brasil, o filme chama-se Marcação Cerrada).
Na vida real, não temos um jogador, mas sim atrizes de Hollywood (entre elas Felicity Huffman – de Desperate Housewives – e Lori Loughline – de Full House) e grandes empresários que, sendo pais, querem fazer de tudo para que seus filhos sejam aceitos nas melhores universidades do país, como Yale e Stanford.
E quando falamos “de tudo”, estamos falando em altas cifras. De acordo com o NY Times, “uma adolescente que não jogava futebol magistralmente se tornou uma estrela de futebol em Yale. Custo para seus pais: US $ 1,2 milhão. Um estudante sem experiência em remo ganhou um lugar na equipe depois que uma fotografia de outra pessoa em um barco foi apresentada como prova de sua destreza. Seus pais gastaram US $ 200.000”.
Além de atrizes e empresários, promotores alegam que dezenas de administradores de testes e técnicos de faculdades estavam envolvidos. As acusações apresentadas no Tribunal dos Estados Unidos para o Distrito de Massachusetts incluem centenas de páginas de alegações em dois conjuntos de esquemas: fraude em teste padrão e suborno de aceitação de faculdade.
Toda essa história que teve como pano de fundo o esforço de pais para manipular processos de admissão aconteceu nos Estados Unidos. No entanto, ela deixa em aberto, também para nós, uma questão:
No sistema norte-americano de acesso às universidades não existe vestibular. Lá, a avaliação dos alunos é feita com base no currículo escolar. Ainda, os jovens precisam fazer um teste de conhecimentos gerais, que é eliminatório (o SAT – Scholastic Aptitude Test – ou o ACT – American College Testing).
Entrar em uma das grandes universidades dos EUA não é algo fácil. Foi justamente pelo fato de querer ver seus filhos nessas faculdades é que o esquema de fraudes em admissões tomou corpo.
O escândalo, conforme aponta Dr. Bradley Klontz, psicólogo e planejador financeiro, reflete um cenário que precisamos prestar atenção. Como ele explica, o problema todo se concentra no apoio financeiro prolongado, algo que não apenas afeta as finanças do facilitador, mas também pode causar danos permanentes ao adulto jovem.
Isso acaba resultando em atraso na independência. “O atraso da independência financeira está associado à falta de propósito, criatividade, motivação – e pode ser extremamente incapacitante”, diz Klontz.
Se pensarmos que esses mesmos jovens serão a mão de obra no futuro, qual a mensagem que todo esse escândalo passa a esses adolescentes? A de que eles não conseguem se virar sozinhos (e que o dinheiro pode resolver tudo).
Trazendo para nosso contexto, algo que devemos questionar é: o que pais e educadores estão fazendo pelo futuro dos nossos jovens e, por consequência, pela formação de mão de obra?
Enquanto pensamos na resposta, é importante vermos que o caso ocorrido nos Estados Unidos mostra um extremo da superproteção. Existe, inclusive, um termo para isso: os “pais-helicópteros”
“Pais helicópteros” é o termo usado por um estudo da Universidade de Minnesota publicado na revista Developmental Psychology. O nome descreve a atitude de pais e mães com comportamento superprotetor.
O estudo envolveu acompanhamento de 422 crianças (predominantemente brancas e afro-americanas, em idades de dois, cinco e dez anos). Para a coleta de dados, pesquisadores observaram, por oito anos, interações entre pais e filhos e respostas dadas por professores e crianças ao completarem os dez anos.
Como o nome sugere, os pais helicópteros “voam” perto dos filhos. Assim como nos Estados Unidos, aqui e em outros lugares do mundo temos também pais e mães ricos que rondam seus filhos e vão eliminando qualquer obstáculo que eles possam encontrar.
O objetivo disso? Eliminar frustrações, contrariedades, decepções e fracassos das vidas de crianças e adolescentes. O resultado dessa atitude pode servir como explicação para o comportamento dos jovens batizados como “geração smartphone”.
No livro iGen: Why Today’s Super-Connected Kids are Growing up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy – and Completely Unprepared for Adulthood (ou, em tradução livre, “iGen: Por que as crianças superconectadas estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparadas para a vida adulta”), são apresentados dados baseados em uma pesquisa feita com 11 milhões de pessoas nascidas após 1995 (ou seja, que cresceram junto ao avanço dos smartphones).
Jean Twenge, professora de psicologia da Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos, diz que: “por terem crescido em um ambiente mais seguro, esses jovens se expõem menos a situações de risco e, portanto, têm mais dificuldade para contorná-las”.
Os jovens, classificados como conectados e solitários, têm encontrado dificuldade de adaptação na vida profissional. Mais uma vez, isso pode ser fruto de uma criação superprotetora.
Outro assunto que veio à tona com o escândalo nos Estados Unidos é a preparação para os testes de admissão das universidades norte-americanas. Assim como aqui temos cursos pré-vestibular, lá existem cursos para prepararem alunos nos testes SAT, na redação e nas entrevistas em faculdades.
O mercado dos EUA tem visto uma presença cada vez maior de empresas de preparação para testes e professores acadêmicos, treinadores esportivos pessoais e consultores especializados em admissão em faculdades. É a saída encontrada por famílias com recursos financeiros para melhorar as chances de aceitação de seus filhos nas grandes universidades sem entrar em conflito com a lei.
Apesar de a atividade ser legal, o problema que se aborda lá é o fato de que colocar um filho em uma dessas escolas preparatórias custa dinheiro. E aqui no Brasil temos uma situação parecida.
Além dos cursos pré-vestibular, temos, no país, coaches que ajudam jovens a traçar metas para o Enem. São profissionais que ajudam jovens a passarem em vestibulares concorridos. Jovens esses tidos como ansiosos e com dificuldade de se organizarem.
Seriam, ansiedade e falta de organização, um reflexo da educação superprotetora? A discussão, claro, não se encerra aqui. Ao tema poderíamos acrescentar assuntos como tecnologia, a pressão das redes sociais e o mercado de trabalho propriamente dito.
Pensando no escândalo nos Estados Unidos, propomos uma reflexão sobre qual caminho a formação de mão de obra no país está tomando e quais aspectos negativos e positivos podemos extrair disso.
Como empresários, é essa mão de obra que pode estar em nossas empresas amanhã. Por fim, deixamos em aberto duas questões:
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