Em 2018, um quadro pintado por inteligência artificial foi leiloado por mais de 400 mil dólares. O leilão aconteceu na Christie’s, em Nova York, e o valor arrematado pela obra “Portrait of Edmond Belamy” surpreendeu todos os presentes. Esse foi o primeiro quadro produzido inteiramente pela IA a ir a leilão.
Cerca de 15 mil retratos pintados entre os séculos XIV e XX foram analisados pelo sistema para criar a pintura leiloada. Bom, mas se sistemas artificialmente inteligentes já começaram a assumir tarefas e processos mais simples e repetitivos, será que o mesmo acontecerá com tarefas criativas e abstratas?
Mesmo com os humanos ainda sendo superiores nas artes, será que devemos nos sentir ameaçados? Ninguém consegue prever o que acontecerá nas próximas décadas, mas uma coisa é certa: mesmo que a inteligência artificial não substitua os artistas, o que já está ocorrendo é uma transformação no campo das artes.
Arte é a expressão da imaginação e da habilidade criativa humana. É algo que, depois de criada, passa a ser apreciada pelas emoções que transmite e por sua beleza.
O Estadão (em Inteligência Artificial é o próximo passo para a arte?) realizou uma entrevista com diversos artistas. Dentre eles, Mario Klingemann, artista alemão pioneiro no uso de Inteligência Artificial, traz um ponto interessante sobre a arte. Perguntado sobre o processo de criação da IA, ele diz que a tecnologia consegue imitar algumas percepções humanas, como bordas, texturas e cores.
Todavia, o que a IA perde nesse processo são os “aspectos subconscientes e emocionais que os humanos acrescentam à comparação, mas isso não é porque a máquina não tem alma, mas porque esses aspectos são muitas vezes difíceis de quantificar e há uma questão pessoal, de gosto”, responde.
Na mesma entrevista, Anna Ridler, artista britânica, diz que, na opinião dela, a arte produzida pela Inteligência Artificial será como a fotografia que, de certa maneira, modificou um pouco os retratos. Como ela fala: ninguém parou de pintar imagens de pessoas desde que a fotografia surgiu.
Machado, Penousal, et al. – “On the development of evolutionary artificial artists.” Computers & Graphics 31.6 (2007): 818–826 – escreve que uma IA deve possuir cinco características para se tornar um artista:
- Aprendizado: o sistema deve ser capaz de melhorar suas habilidades e adaptar sua expressividade artística de acordo com novos estímulos, como fazem os artistas humanos.
- Critérios de estética próprios: ser capaz de avaliar sua própria criação artística e de outros artistas é essencial para qualquer criador de arte. Mesmo não existindo um critério universal para julgar a arte, cada indivíduo precisa desenvolver seu próprio padrão, com base em sua personalidade.
- Criatividade: criar obras de arte novas e inovadoras é o que define um artista de destaque. O sistema não deve aplicar pequenas alterações às obras de arte existentes, mas, sim, criar algo completamente novo (embora possa ser influenciado por outras obras de artistas).
- Igualdade: o sistema não deve estar sujeito à vontade humana; deve interagir com agentes humanos ou artificiais em um nível igual.
- Sociabilidade: a arte não pode ser criada sem o contexto social. A inteligência artificial deve ser capaz de acessar a produção artística como fonte de inspiração.
(Trecho citado no artigo Artificial Artist: Can Artificial Intelligence create art?, de Felp Roza)
A união de tecnologia e arte já é tão discutida que existe inclusive uma comunidade de artistas que explora o impacto da IA na arte e na sociedade. Trata-se da AIArtist.org.
A organização é pioneira no ramo e foi fundada por Marnie Benney. De acordo com a página da AIArtist.org, a IA não apenas transforma nossa capacidade de criar, como também nos faz refletir sobre algumas questões críticas que dizem respeito ao nosso relacionamento com a tecnologia.
Um dos objetivos da comunidade é o de discutir e explorar temas importantes como:
São todas perguntas que seguem sem uma resposta exata, mas exemplos como o da AIArtist.org nos mostram que se o tema já está sendo discutido é porque tem grande relevância para todos nós – artistas ou não.
Nada mais justo perguntar quem é o dono da obra. A questão sobre Inteligência Artificial e autoria é abordada em artigo na Singularity Hub. Como contamos na introdução, o quadro que foi leiloado em 2018 foi criado a partir de um banco de dados com 15 mil retratos.
Similarmente, um programa chamado Aiva lançou álbuns cujas peças estão sendo usadas por agências de publicidade e filmes. O software foi treinado em milhares de composições clássicas.
No entanto, conforme comenta o post da Singularity Hub, por trás dos conjuntos de dados utilizados pelos algoritmos “havia um programador que alterou as pinceladas ou notas musicais em linhas de código e um cientista ou engenheiro de dados que ajustou e ‘selecionou’ os conjuntos de dados a serem usados no modelo”.
Ainda, o artigo sugere que podem existir muitos colaboradores com funções distintas na produção de conteúdo gerado pela IA. Por isso, é importante discutir como proteger os interesses dos envolvidos.
A lei de direitos autorais versa sobre os “frutos do trabalho intelectual fundado nos poderes criativos da mente”. A Inteligência Artificial ainda tem muitas limitações. Trazendo uma comparação do artigo, assim como uma câmera de vídeo é uma ferramenta usada para filmar conteúdo criativo, a IA é apenas uma ferramenta que pode ser usada para produzir trabalho.
“Os produtores de vídeo não precisam compreender o funcionamento interno de suas câmeras; desde que seu conteúdo mostre criatividade e originalidade, eles têm uma reivindicação de propriedade sobre suas criações”.
Pensando nisso, será que robôs e algoritmos um dia serão capazes de possuir direitos autorais, sendo considerados fontes criativas?
Como tudo que envolve a IA, ainda temos muito chão para caminhar. O futuro é incerto, mas a tecnologia já está aí. O que você pensa sobre o tema? Se uma arte é criada pela tecnologia, de quem é a autoria? Deixe sua opinião nos comentários.
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Créditos imagem: Unsplash por Franck V.
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