Pai rico, filho nobre e neto pobre. Especialmente quem lidera uma empresa familiar já deve ter ouvido falar no ditado. A falta de profissionalização de negócios familiares faz com que esse tipo de organização não sobreviva à terceira geração. Isso é extremamente preocupante, já que das 19 milhões de empresas que existem no Brasil, 80% são gerenciadas por famílias (de acordo com pesquisa divulgada pela PwC no final de 2016).
Apenas para contextualizar, empresa familiar é qualquer organização em que dois ou mais membros da família estão envolvidos e a maioria do controle da companhia está dentro de uma família. Sempre que falamos em organizações gerenciadas por família é comum pensarmos em PMEs. Contudo, na lista de empresas familiares temos nomes como Votorantin, Walmart, Volkswagen, Nike, Magazine Luiza, Itaú Unibanco entre tantos outros exemplos.
Sendo assim, uma empresa familiar, que como qualquer negócio, começa pequena, não deveria estar fadada ao fracasso (como citamos, a maioria não passa da terceira geração). O principal motivo para isso ocorrer é o fato de que organizações lideradas por famílias não conseguem enxergar a necessidade de trilhar o caminho da profissionalização da gestão.
Existem conceitos básicos que devem ser considerados para a profissionalização da empresa familiar.
O primeiro conceito refere-se à diferenciação dos vários players que podem estar presentes em uma empresa familiar. Reconhecer que toda empresa familiar possui três dimensões (ver fig. 1) – família, propriedade e negócio – é fundamental, uma vez que os interesses dos membros de cada uma destas dimensões podem ser divergentes. Este reconhecimento torna-se mais relevante à medida que os membros do grupo familiar aumentam e o negócio não cresce na mesma velocidade. Como consequência as pessoas do grupo familiar começam a ter interesses divergentes e a se distanciarem, surgindo problemas específicos que precisam ser tratado.
Outro conceito fundamental é a definição dos valores da família e do negócio. No início, o fundador do negócio tem estes valores claramente definidos e estes valores são convergentes e inquestionáveis. Com o crescimento da família e do negócio pode ocorrer a falta de compatibilidade de valores, um dos motivos que leva uma empresa familiar ao declínio (e uma empresa não familiar também).
É comum vermos profissionais trabalhando na empresa do “pai” ou do “tio”, por exemplo, apenas porque o negócio é da família. Lembrando que a não compatibilidade de valores é um problema não só na relação entre membros de uma mesma família, mas também na relação entre profissionais não familiares.
Entendendo as três dimensões e a importância do compartilhamento de valores, o próximo passo para a profissionalização da empresa familiar é definir as regras de convivência das dimensões, evitando a mistura entre assuntos familiares e profissionais no ambiente de negócio. Na figura 2 apresentamos alguns mecanismos utilizados por empresas familiares para administrar e preservar seus interesses. Obviamente, a empresa deverá definir estes mecanismos a partir de seu nível de maturidade e porte do negócio.
Também é necessário considerar a continuidade do negócio. A isso segue-se a definição das competências necessárias para o corpo funcional da empresa, tendo em mente que os elementos norteadores devem ser sempre competência, experiência e valores. Capital humano é o maior diferencial competitivo de uma organização. Portanto, investir em políticas de incentivo e desenvolvimento é ponto chave para um crescimento sustentável.
Por fim, a empresa deve definir como organizará suas atividades e os procedimentos que fazem parte das normas de atuação para gestão do negócio, alinhados com as crenças e valores da família. De vital importância para a gestão do negócio é também definir critérios de controle e desempenho. Reproduzimos William Edwards Deming (1900-1993), estatístico, professor catedrático, autor de livros, palestrante e consultor que ganhou grande notoriedade no esforço pós-guerra para reerguer o Japão nos anos 50: “Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia”.
Importante destacar ainda que profissionalizar a gestão de empresas familiares não é apenas abrir as portas para profissionais de fora mais qualificados para determinados cargos estratégicos. Significa ter um pensamento estratégico, criar metas, processos, métricas e indicadores que tornem o negócio mais formal e, por consequência, mais profissional.
Transparência na gestão é igualmente essencial em todo negócio familiar que sobrevive no mercado por gerações, por isso, a gestão empresarial deve contar com Governança Corporativa.
Aqui procuramos mostrar uma visão geral do que um negócio familiar precisa levar em consideração para poder vislumbrar um futuro de sucesso. Conforme falamos no artigo Como organizar uma startup que tenha sucesso no futuro, não existem receitas milagrosas sobre como fazer uma empresa crescer, tampouco existe uma receita sobre como profissionalizar a empresa familiar em apenas alguns passos.
Tudo faz parte de um processo, sendo que cada empresa deve ser analisada conforme suas particularidades. O mais indicado é dar o primeiro passo contando com o auxílio de especialistas que trarão uma visão de fora e fará uma análise imparcial da organização.
Para encerrar, vale lembrar uma das frases de Peter Drucker, o guru da administração, sobre a sobrevivência de empresas familiares:
“A empresa e a família só sobreviverão e sairão bem se a família servir à empresa. Nenhuma das duas seguirá bem se a empresa for dirigida para servir à família.”
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Trabalho em uma empresa familiar, percebo que o grande obstáculo nesse formato é que os envolvidos deixam de defender os interesses da empresa para DEFENDER os interesses dos membros da família.
Sim, Juciana, é isso mesmo. E conforme o tempo vai passando e as famílias vão aumentando e assumindo mais compromissos, há uma inversão dos papéis, por isso da necessidade de profissionalização, que não é uma tarefa fácil das empresas familiares.