Faz algum tempo que estamos vivendo a ditadura das métricas, pois são sistemas extremamente objetivos para avaliar a performance de uma empresa. São elas que dão forma à estratégia, a qual é algo abstrato por natureza.
No entanto, será que estamos trabalhando com sistemas que sejam ágeis o suficiente para acompanhar a dinâmica do ambiente de negócios?
O que vemos são gestores atrás da métrica perfeita para avaliar o sucesso. A questão é que não existe uma única métrica que explique o motivo de um projeto ter falhado, ou de um produto não ter tido a aceitação esperada, por exemplo. Mesmo assim, continuamos vivendo na cultura das métricas.
Quando gestores medem demais, correm o risco de perder de vista o que é importante e, geralmente, eles deixam de enxergar o que realmente está afetando o negócio. Em suma, não conseguem ver que as métricas destroem estratégias.
Projetar uma estratégia significa estabelecer metas específicas e uma visão geral para os negócios. O problema está no fato de que, como diz o artigo Don’t Let Metrics Undermine Your Business, da Harvard Business Review (a versão em português encontra-se aqui para assinantes), “uma empresa pode facilmente perder de vista sua estratégia e concentrar-se estritamente nas métricas destinadas a representá-la”.
No texto, os autores Michael Harris e Bill Tayler contam a história da Wells Fargo, empresa que presta serviços financeiros e resolveu criar uma estratégia de “venda cruzada”. Após diversos escândalos e resultados devastadores, a pergunta é: os resultados foram consequências naturais de uma estratégia ruim?
Conforme relatam Harris e Tayler, um exame mais detalhado sugere que a Wells Fargo nunca teve uma estratégia de venda cruzada, mas, sim uma métrica de venda cruzada.
“A Wells Fargo tinha – e ainda tem – uma estratégia de construir relacionamentos de longo prazo com os clientes, e a administração pretendia acompanhar o grau em que estava atingindo esse objetivo medindo a venda cruzada. Com uma ironia brutal, o foco na métrica desvendou muitos dos valiosos relacionamentos de longo prazo do banco”, diz o texto.
A reflexão que os autores fazem é que dia após dia, quase todas as organizações têm estratégias invadidas por números, como ocorreu na Wells Fargo. E isso ocorre porque, como citamos no início deste post, a tendência de substituir a estratégia por métricas é bastante difundida. Conforme escrevem Harris e Tayler, uma atitude assim “pode destruir o valor da empresa”.
Um outro artigo da Harvard Business Review, intitulado How Strategy Shapes Structure, dos autores W. Chan Kim e Renee Mauborgne, trabalha com a questão de métricas x estratégia.
Conforme o texto – e como sabemos – o desenvolvimento da estratégia corporativa analisa o mercado, as condições do setor e o ambiente. Em seguida, vem a análise dos principais players com um estudo dos pontos fracos e fortes (análise SWOT).
Após estudar cada ponto, a empresa avalia como pode criar vantagem competitiva. Isso pode ser através de produtos premium, preços mais baixos, serviços diferenciados, uso de tecnologia etc. Uma vez definida a estratégia da empresa, cada área (desenvolvimento de produto, vendas, marketing, qualidade etc.) cria também seus próprios planos a fim de atender à estratégia geral, sendo que cada plano tem sua meta financeira e alocações orçamentárias.
A lógica, como explicam Kim e Mauborgne, “é que as opções estratégicas de uma empresa são limitadas pelo ambiente. Em outras palavras, a estrutura molda a estratégia”. E é justamente essa estratégia que deve ser avaliada (e não as métricas).
Importante deixar claro que aqui não queremos sugerir que métricas não devem ser utilizadas. Concordamos com Harris e Tayler quando dizem que elas são uma excelente forma de gestores e líderes entenderem o ambiente, os resultados, os objetivos estratégicos e o que devem fazer para ter sucesso.
As métricas funcionam como uma representação de como a empresa está caminhando em direção a alguns de seus objetivos e, por isso, são muito importantes. No entanto, como mostra o caso Wells Fargo, se as distorções das métricas não forem entendidas, elas podem ser perigosas – “e as distorções podem ser amplificadas precisamente porque as métricas defeituosas coordenam os comportamentos”, comentam Harris e Tayler.
Para evitar distorções e focar na estratégia, Harris e Tayler – baseando-se em pesquisas – sugerem que não basta apenas falar de estratégia para as pessoas. Ou seja, a alta administração não deve simplesmente convidar gestores para reuniões de diretoria a fim de promover a estratégia. É preciso envolver as pessoas.
Um exemplo interessante mencionado no artigo conta que uma empresa, a Intermountain Healthcare, tinha o objetivo de fornecer atendimento de alta qualidade e baixo custo. Um dos problemas enfrentados por eles vinha dos pacientes com dor lombar.
A questão apresentada no texto é que a maioria das dores lombares desaparece em algumas semanas, sem que para isso precise de medicamentos ou cirurgias – que podem ajudar, mas que custam caro. Analisando os dados da empresa, os médicos viram que o melhor a fazer quando um paciente se apresentasse com dor lombar era esperar quatro semanas para solicitar um exame.
Então, a Intermountain formulou uma estratégia que visava reduzir intervenções desnecessárias. Para medir o desempenho da estratégia, a empresa começou a rastrear se os médicos esperavam pelo menos quatro semanas após a consulta com um paciente com dor lombar para recomendar uma radiografia, ressonância magnética ou outro método de diagnóstico ou tratamento mais invasivo.
Ok, mas você pode ser perguntar: não existe o perigo de os médicos fazerem um paciente esperar só para cumprir com a estratégia? Na resposta dos autores, e como foi verificado na própria Intermountain: não.
Isso porque os médicos estavam envolvidos no desenvolvimento da estratégia e nas métricas que iriam avaliá-la. Perceba, portanto, que a estratégia conduziu a Intermountain e as métricas foram usadas apenas como dados para mostrar que muitos pacientes passavam por intervenções desnecessárias e caras.
A reflexão que tiramos disso é que, talvez, se apenas existisse uma métrica para avaliar o número de pacientes que recebiam o tratamento após quatro semanas, os médicos poderiam mandar cada paciente com dor lombar para casa sem avaliar a real situação.
Mas como existia uma estratégia por trás, os profissionais entendiam o motivo de fazerem isso, e sabiam que para alguns pacientes – por exemplo aqueles que esperavam um mês antes de consultar o médico – o tratamento imediato era justificado.
Muitas empresas nem se deram conta de que métricas destroem estratégia quando induzem algum nível de comportamento. Portanto, a sugestão que damos vem do artigo Don’t Let Metrics Undermine Your Business: em primeiro lugar, analise quais métricas na sua empresa podem ser mais propensas a induzirem um comportamento errado e considere onde elas podem causar mais danos.
Em seguida, observe se sua organização está sendo direcionada para o cumprimento de metas e está deixando de lado a estratégia. Se esse for o caso, quem sabe não seja a hora de mudar sua relação com as métricas e dar mais ênfase para o cumprimento da estratégia? Em outras palavras: que tal prevenir a doença ao invés de tratar seus sintomas?
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