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O que é a inovação cultural?

Trabalhar em uma empresa que valoriza a inovação é algo que a maioria dos profissionais deseja. As organizações sabem disso, mas além de atrair talentos o que elas querem é “criar uma proposta de valor matadora”, como escreve Douglas Holt em artigo na Harvard Business Review: “The secret to building breakthrough businesses” (“O segredo para construir negócios inovadores”, em uma tradução literal).

Quanto à “proposta de valor matadora”, Holt esclarece que se trata de inovar ganhando em funcionalidade, conveniência, confiabilidade, preço ou experiência do usuário. Contudo, essa não é a única maneira de realizar a inovação. Nos mercados de consumo, ela frequentemente ocorre de acordo com uma lógica chamada de inovação cultural.

Durante muito tempo, os sócios da Glic Fàs trabalharam em uma empresa que na década de 70 foi capaz de produzir uma inovação cultural em um mercado extremamente rígido, com modelos de negócios muito tradicionais. É sobre esse tipo de inovação – a mesma abordada por Holt – que queremos conversar com você neste artigo. Boa leitura!

Entendo a inovação cultural

“A inovação está nos olhos de quem vê”, são as palavras de Holt. Para explicar, ele comenta que quando marcas como Starbucks, Patagonia, Jack Daniel’s, Ben & Jerry’s e Vitaminwater surgiram, os consumidores as viram como grandes inovações. Conforme ele esclarece, a cada uma das empresas citadas as pessoas responderam à ideologia da marca. Tratava-se de “uma reimaginação da categoria que transformou a proposta de valor”, diz.

Mas o que as empresas citadas têm em comum? Em cada um dos casos, a inovação cultural foi incorporada não apenas em produtos ou serviços distintos, mas também nos discursos dos fundadores, embalagens, ingredientes, design de varejo, cobertura da mídia e até mesmo na filantropia.

Para entender um pouco melhor, o artigo aborda dois tipos de inovação. A primeira é a “inovação em armadilhas”. Nesse caso, as ambições são quantitativas, ou seja, “supere seus concorrentes nas noções existentes de valor”. A inovação cultural por sua vez opera de acordo com ambições qualitativas: “mudar a compreensão do que é considerado valioso”.

Exemplo

Uma inovação cultural clássica é o caso da Ford. O autor da publicação da HBR conta que em 1989 comprar um veículo utilitário esportivo teria sido uma ideia no mínimo estranha para famílias de classe média americana. No entanto, em 1995 o SUV passou a ser o favorito inquestionável, em grande parte graças ao Explorer, que se tornou a escolha de famílias suburbanas e, por consequência, perdeu seu papel tradicional de veículo de transporte funcional em fazendas e ranchos.

O Explorer foi lançado com anúncios que apresentavam um novo ideal de vida familiar, rejeitando as ofertas existentes na época, que eram caminhões rudes que não tinham as vantagens dos carros de passageiros. Na época, a Ford fez duas mudanças cruciais, ambas fortemente ligadas aos pais: a empresa ofereceu uma visão de famílias se divertindo no deserto – ao invés de apenas homens -, e mostravam que os pais que possuíam um Explorer também tinham uma vida – mesmo vivendo nos subúrbios, ainda podiam desfrutar de uma vida cosmopolita.

O modelo da inovação cultural

A fim de explicar os principais passos na inovação cultural, Holt cita o caso da empresa Blue Buffalo. Ele conta que por décadas Nestlé Purina, Mars e Procter & Gamble dominaram a categoria de ração para cães nos EUA. Até que veio a Blue Buffalo, uma pequena startup que reinventou a cultura da comida para cães. Como eles fizeram isso? A resposta está no passo a passo:

Etapa 1 – Desconstrua a cultura da categoria

Holt diz que os mercados nada mais são do que sistemas de crenças adotados por aqueles que participam de uma categoria: empresas, consumidores e mídia. Ele explica que se você quiser entender a cultura da sua categoria precisa dar um passo para trás e tornar o familiar estranho. “Quais são os princípios de organização tidos como certos da categoria? Qual é a ideologia dominante?”, escreve.

Como exemplo, antes de surgir a categoria de ração para cães, a maioria das famílias norte-americanas alimentava seus cães com restos de comida. Foi em 1970 que veio a primeira inovação cultural da categoria. Inovadores culturais, liderados por Hill’s Science Diet e Iams, defenderam uma nova ideologia científica de comida para cães. As empresas produziram produtos separados para as várias fases da vida do animal.

As marcas que foram surgindo deram ênfase aos benefícios nutricionais das rações e ofereceram aos proprietários dos cães um léxico científico para provar uma nutrição de qualidade. No entanto, como diz Holt, os ingredientes permaneceram escondidos em letras pequenas.

Etapa 2 – Identifique o calcanhar de Aquiles

Eventualmente ocorrem falhas e os inovadores culturais identificam as vulnerabilidades emergentes. Holt conta que no início dos anos 2000 a cultura alimentar científica industrial da América foi sujeita a críticas na mídia e por dezenas de movimentos alimentares anti-industriais.

Foi então que os donos de cães começaram a questionar se aqueles sacos de ração feitos por grandes empresas eram realmente bons para seus animais. Após um problema que acabou matando milhares de cães e gatos em 2007, descobriu-se que um ingrediente, o glúten de trigo contaminado com melamina, vinha da China.

E, assim, os proprietários começaram a se interessar muito mais pelos ingredientes da comida para seus animais de estimação.

Etapa 3 – Explore a vanguarda cultural

Quando problemas se formam na cultura de uma categoria (como no exemplo da categoria de rações para animais de estimação), uma vanguarda cultural geralmente surge antes que as grandes empresas apareçam. Dessa maneira, criam uma inovação cultural.

Holt relata que nas décadas anteriores uma pequena subcultura de comida “natural” para cães havia se desenvolvido nas mãos de empresas de saúde alternativa. Essas marcas pequenas, consideradas de subcultura, acreditavam que os alimentos saudáveis ​​para cães deveriam imitar o que os cães comiam antes de serem domesticados.

Por serem vendidas em butiques e lojas de alimentos naturais, eram muito caras e comercializadas para clientes de nicho. Eles fizeram pouco esforço para conquistar convertidos das grandes marcas científicas industriais.

Etapa 4 – Crie uma ideologia que desafie o calcanhar de Aquiles

A inovação cultural busca materiais da vanguarda para construir um novo conceito de marca. Em 2002, quando foi fundada, a Blue Buffalo desafiou a suposição de que as rações certamente eram nutritivas, embora os proprietários não tivessem ideia sobre do que elas eram feitas.

A empresa mostrou que as pessoas precisavam assumir o controle e garantir que a comida de seus cachorros contivesse ingredientes saudáveis, não diferente do que alimentariam suas famílias.

Etapa 5 – Apresente símbolos que dramatizem a ideologia

A inovação cultural seleciona símbolos do mix de marketing que funcionam juntos, ataca o calcanhar de Aquiles e traça um contraste claro com a cultura dominante da categoria. Continuando com a Blue Buffalo, “a empresa alavancou os principais símbolos da subcultura de alimentos naturais e criou símbolos adicionais para ilustrar a noção de que era, na verdade, o mesmo alimento saudável que os próprios proprietários comiam, convertidos em uma forma compacta, conveniente e não perecível”, esclarece Holt.

Graças à empresa os donos de animais de estimação aprenderem a ler os rótulos dos pacotes de ração. Além disso, a Blue Buffalo fez com que os proprietários estabelecessem uma relação entre o que suas famílias comiam para evitar doenças crônicas e o que dariam a seus cães.

Então, milhões de proprietários decidiram gastar muito mais em comida de cachorro, aceitando uma proposta de valor inteiramente nova. O que a Blue Buffalo fez foi convencer os donos de cães que um produto antes visto como uma extravagância complicada era na verdade uma necessidade para pessoas que realmente amavam seus animais

Armadilhas a evitar

A inovação cultural é algo que os empreendedores procuram, mas mesmo quando encontram oportunidades culturais que deveriam ser fáceis de identificar e simples de executar, eles falham repetidamente. Isso é o que acredita Holt. Ele explica que para terem sucesso na inovação cultural empresas precisam evitar três armadilhas.

A primeira é a de trabalhar eternamente no presente. “Se você está preso no tempo presente, é extremamente difícil examinar a categoria de fora e identificar suas falhas emergentes”, comenta. A segunda é estar “casado com os recursos de um produto”.

Em outras palavras, significa pressupor que as características de um produto são características que os consumidores valorizam, enquanto, na verdade, podem ser símbolos culturais maleáveis ​​de uma ideologia. Pegando mais uma vez a Blue Buffalo para ilustrar, as empresas concorrentes de ração para cães presumiram que a marca estava simplesmente oferecendo produtos da moda. Mas, na verdade, a Blue Buffalo mostrou que os proprietários foram enganados pelas marcas científicas industriais.

A terceira armadilha diz respeito a ignorar o valor da identidade. Explicando: um componente crítico da inovação cultural é valorizar os aspectos da identidade dos consumidores. A Ford, como Holt mostrou, persuadiu os clientes de que eles poderiam trocar o estilo de vida da minivan suburbana por aventuras ao ar livre e excursões sofisticadas pela cidade. Já os consumidores da Blue Buffalo passaram a ganhar o status de donos de cães esclarecidos.

Concluindo

A inovação cultural acontece quando os inovadores procuram oportunidades para mudar a ideologia dominante em favor de um novo regime. É preciso ter um olhar para o futuro e identificar as “rachaduras na base da categoria da empresa”, como diz Holt.

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Créditos imagem principal: Unsplash por Riccardo Annandale.

Créditos imagem texto: Pixabay por athree23

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Patricia C. Cucchiarato Sibinelli
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